domingo, 19 de julho de 2015

A acordeonista


A acordeonista cansara de portar sobre suas costas sexagenárias, um acordeon que pesava 13 kg. O acordeon se tornara uma equação de difícil solução.

Ao viajar para a França, a dama vislumbrou na vitrine de uma loja um acordeon mais leve e funcional. Entrou e pediu ao vendedor para verificar as características do instrumento e dedilhou parte de uma música. Realmente, como parecia, era muito mais leve para segurar sobre os ombros. E era fabricado dentro dos padrões de alta tecnologia, possuindo inúmeros recursos.

Voltou à Porto Alegre, Rio grande do Sul, Brasil.

Certa manhã foi às compras num shopping da cidade.  Olhou para a vitrine de uma loja de instrumentos musicais e viu, com surpresa, o mesmo modelo de acordeom que havia descoberto na sua ida à França. Entrou na loja e pediu ao vendedor para experimentar o instrumento. Colocou-o sobre os ombros e dedilhou uma melodia para apreciar, inclusive, os ritmos e sons que poderia tirar do instrumento.

Ao perceber que se tratava do mesmo instrumento cuja leveza havia lhe impressionado,pediu ao vendedor que o colocasse na capa apropriada e o embrulhasse devidamente. 

O vendedor indagou, curioso, dirigindo-se à acordeonista:

- Mas a senhora não vai perguntar o preço do acordeom?

- E, por acaso, a arte tem preço?

Diante dessa resposta inusitada, o vendedor tratou de fazer logo a embalagem para evitar alguma advertência por parte da compradora que parecia ter uma palavra só.

A dama saiu da loja com o seu acordeon. E desejei que Deus desse a ela mais 40 anos de vida e assim, pudesse abrir seu leque sonoro, para transmitir a boa música. Pois só a música é o alongamento da alma. 

E tenho encontrado a acordeonista nos eventos da cidade, com sua inigualável e original performance, sempre portando um belo sorriso para sua platéia entusiasta e receptiva.


Katia Chiappini 


quinta-feira, 16 de julho de 2015

Mestre


MESTRE 

O Mestre estava deitado, debaixo de uma árvore, lendo um livro. O peregrino perguntou-lhe: "O que faz descansando sob o sol das quinze horas?"

O Mestre respondeu: "Estou trabalhando"

- "Mas ler, deitado na grama, é trabalhar?' - Questionou o peregrino.

- ''A um etnógrafo, antropólogo, pesquisador, pensador, intelectual, cronista e produtor literário, sim".

- "Lembre-se de movimentar-se" - Completou o peregrino.

- "Faço isso, em partes, várias vezes ao dia" - Respondeu o Mestre - "Inclusive quando muitos sentam para almoçar ou olhar televisão"; "Quando deitam para dormir, estarei redigindo as observações do dia".

*Em um diálogo intrapessoal; Mestre e peregrino, são estados de espírito do Mago, em sua jornada de autoconhecimento.

Juliano Dornelles

quinta-feira, 2 de julho de 2015

A greve do magistério



Em tempos idos precisávamos, lá na Escola, de um modo de criar verbas para manter a greve e nossas reivindicações.Acampamos na Praça da Matriz, junto ao Palácio Piratini da cidade de Porto Alegre, Rio Grande do Sul,Brasil.

Quando tomei conhecimento das necessidades da turma tive uma ideia e tratei de materializá-la. Precisávamos de faixas, muitos cartazes,cavaletes, fita adesiva, cola, caneta e tudo o mais que possibilitasse agir em nome da causa e da palavra de ordem.

Então,escrevi 80 quadrinhas, sendo uma para cada uma das professoras, contendo  nome e características pessoais.

Fui encontrando as colegas e oferecendo as quadrinhas:

-Se quiseres guardar como lembrança essa quadrinha que fiz com o teu nome, é só pagar uma pequena quantia e levar para casa.

 Não saberia dizer a quantia solicitada, mas nunca vou esquecer que vendi as 80 quadrinhas que havia feito. Depois de alguns dias coloquei a importância arrecadada em um envelope e me dirigi à comissão de greve para fazer a entrega.

Ao deixar o local percebi que, ao mesmo tempo, entrava uma das vice-diretoras da Escola.

Eu já havia me distanciado um pouco, mas ainda foi possível ouvir o seguinte diálogo:

-Como conseguimos essa importância em dinheiro?

-Com as poesias da Katia.

Agradeci a Deus por esse dom de inspiração pródiga que me leva a escrever uma poesia, logo ao acordar, antes do café matinal. 


Katia Chiappini

A trama


A TRAMA .'.

Em uma reunião matinal com os bruxos do oriente, o metre foi alertado, por seus conselheiros, sobre a trama que se armava em torno de seus interesses. Desta vez não se tratava de um inimigo. Mas de alguém próximo que, ao mesmo tempo teria bons interesses, dispunha também de segundas intenções. O mestre seria solicitado e induzido a cobrar algo pelo serviço que comumente presta em forma de oferenda.

Na tentativa de antecipar um trato com a terra, fora perguntado às entidades que representam o mestre: 'O que queres?' e 'O que ganho?'. Porém, o mestre posicionou-se precavido. Autorizando apenas tratos por escrito e rubricados pessoalmente. Assim, as entidades contaram ao mestre como fora a simulação de eventuais decisões e consequências.

A trama se baseava em dois pontos. Primeiro haveria uma tentativa de forjar um encanto, no qual o mestre, apaixonado, confundiria uma de suas conselheiras espirituais, que o acompanham desde menino, com uma jovem que surgiria do nada. Os bruxos lhe orientaram que lhe poderia ser reivindicado aquilo que visse na moça, mesmo quando se trata de algo que o mestre tem desde sempre.

Foram colocadas na mesa, as cartas que induziriam ao erro. O mestre foi alertado de que deveria evitar apaixonar-se. Que deveria manter-se isento de qualquer tipo de comercialização subjetiva ou metafísica. Principalmente as quais estão vinculadas à identidades. Mas sim, precisaria salvaguardar aquilo que tem e sente.

Outra possibilidade, de indução ao erro, consistiria na sugestão ao mestre de cobiçar algo de outra pessoa. Ou ‘sem outra pessoa’. Para que assim, algo lhe fosse cobiçado. Desta forma o mestre deveria evitar qualquer tipo de apropriação indevida e não autorizada. Para assim, salvar-se da submissão a tal medida. 

Por último, o mestre poderia ser induzido dispensar e ceder coisas que aparentemente estivessem fora de uso, para que assim fossem solicitadas. Ou, a liberar pessoas, as quais poderiam ser facilmente confundidas com seus aliados espirituais.  Desta forma seria acusado de ter desistido de alguém, o qual tentaria lhe cobrar algo que tem. Outras situações também foram antecipadas e mantidas em segredo.

Assim, na presença dos bruxos do oriente, o mestre invocou os deuses e espíritos iluminados que o acompanham, e explanou: 'Estamos a par da trama que se arma. Conto convosco para que possamos permanecer unidos além dos tempos. Aqui nos encontraremos outras vezes para celebrar a perpetuação de nossa aliança'. Sabendo que o martelo alheio poderia bater a qualquer momento, o mestre antecipou três batidas (Pah, Pah, Pah). Encerrando assim a sessão, antes mesmo de começar.


Juliano Dornelles